Árvore - Rubem Braga

© Jacek Yerka
Árvore

Alta, muito alta, e branca, muito branca, de olhos verdes... Sonhei ter visto uma jovem assim? Terei sonhado ou sonhei que sonhava; não sei; essa moça devia ser irmã da árvore, que vi a vez primeira em noite de luar, erguendo para a noite azul os seus galhos unânimes. Mas de manhã, quando abri a janela, e o sol nascia sobre a Cordilheira, é que ela esplendeu em toda sua beleza.
Em muitos caminhos da Europa e do sul do Brasil vi essa árvore; é um álamo, e foram os álamos que inventaram todas as alamedas deste mundo. Em minha rua santiaguina também há muitos; mas o mais alto de todos, o mais forte em viço, em beleza, está junto à calçada, no meu jardim.
Sou um homem confuso e distraído; minha rua chamase Roberto Del Río e na primeira madrugada, quando voltava para casa, disse ao chofer que morava em Roberto Del Mar. O velho chileno riu muito dentro de seu casaco escuro, atrás de seus bigodes brancos; mas quando chegamos à rua e ele me perguntou o número da casa não precisei puxar meu caderno de endereços para responder; apontei a mais de cem metros o meu álamo real.
Nenhuma árvore se lança com tanta veemência para o alto; lança-se o enorme tronco muito branco, lançam-se todos os galhos cobertos de folhas, num impulso de chama verde, vinte jatos de seiva partindo todos para cima, ao longo da mesma reta vertical.
Há um pinheiro estático e extático, há grandes salsochorões derramados para o chão, e a graça menina de uma cerejeira cor de vinho, que o sol oblíquo acende e faz fulgurar; mas o álamo junto do portão tem um vigor e uma pureza que me fazem bem pela manhã, como se toda manhã, ao abrir a janela, eu visse uma jovem imensa, muito clara, de olhos verdes, de pé, sorrindo para mim.


Santiago, abril, 1955.

— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.

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